quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Produção 2 - Intervalo no cinema


Quando Intervalo ganhou seu premio na Funarte, eu estava iniciando um projeto com o cineasta Ricardo Pinto e Silva: a adaptação de um romance de Regina Rheda, que acabou não decolando.

O Ricardo então me convidou a trabalhar no roteiro do longa Dores & Amores (produção luso-brasileira, baseado em romance de Claudia Tajes). E teve a ideia de filmar trechos de Intervalo como se fosse uma novela que os personagens de Dores & Amores assistiriam em suas TVs. A abertura do filme acabou sendo uma cena da peça. O roteiro final foi assinado por Patricia Müller, Ricardo Pinto e Silva e por mim. Kiara Sasso, a protagonista de Dores & Amores, cruzaria o caminho de Intervalo mais uma vez. 

Dores & Amores foi uma das 5 selecionadas para se apresentar no Festival de Cinema de Paulínia de 2010. Ainda não foi distribuído comercialmente. Para ler o roteiro de Dores & Amores (incluindo trechos de Intervalo) clique neste link.

A seguir: Intervalo chega ao palco - por uma noite


segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Produção 1 - O celular toca em Monte Verde


Na metade de abril de 2004 Intervalo estava pronto. Era uma peça pronta para ser encenada. Alguns meses depois eu o inscrevi no Concurso Funarte de Dramaturgia. E meio que esqueci do assunto. Sei como esses concursos são concorridos.

Em novembro eu estava num período especialmente cansativo na editora Abril e consegui uma semana de folga numa estalagem de Monte Verde, sul de Minas. No dia 10 de novembro fazia minha caminhada por um bosque do estabelecimento quando o celular tocou. Era Elizabeth Fernandes, secretária da Funarte com a excelente notícia: Intervalo tinha ganho o primeiro lugar do Concurso de Dramaturgia na categoria maie disputada: teatro adulto, região Sudeste.

Com o premio veio um cheque de 15 mil reais e o direito a ter a peça publicada numa coletânea com todos os vencedores.  O livro foi distribuído nacionalmente pela rede do Ministério da Cultura. (Havia também a promessa de leituras dramáticas em vários pontos do país, mas isso que eu saiba não aconteceu). 

Consegui reconhecimento do mais importante premio de dramaturgia do pais para uma peça de apelo popular. Tinha no premio o aval do presidente da República (Luís Inácio Lula da Silva), do ministro da Cultura (Gilberto Gil) e do presidente da FUNARTE (Antonio Carlos Grassi) e de um juri de professores de teatro, dramaturgos, técnicos, especialistas, diretores, críticos.

O que poderia dar errado?

A seguir: Intervalo chega ao palco - por uma noite

domingo, 25 de novembro de 2012

Criação 7 - O Mal de Knoplish


Comecei a escrever Intervalo como se estivesse no 78o. capítulo da novela fictícia "Vidas Sem Rumo". Não nenhuma explicação sobre o que aconteceu antes da história iniciar. Os personagens entraram e foram interagindo, e assim nascem os detalhes que parecem sido tão planejados antes. É um clichê da damaturgia, mas pura verdade: personagens criam vida própria e passam a orientar o autor.

Dona Florinda - muito inspirada na minha avó Consuelo, com sua dramaticidade exagerada e bordões como "a que ponto chegaste!" Sofre o terrível e fictício "mal de Knoplish", que leva o nome de um antigo médico ortopedista.

Mariana - filha de Florinda, é a bobinha e sonhadora que sofre a novela inteira mas tem a promessa de se casar com o galã no final.

Roberta - a filha "má" de Florinda é vulgar, agressiva, bagaceira, barraqueira e só quer roubar o noivo da irmã. 

Leonardo - trabalha como um escravo no escritório do doutor Teixeira. Procura sempre ganhar mais para poder dar conforto à noiva Mariana. Dois fatos o perturbam: 1) o escritório, antes tão cheio de gente, está vazio e 2) por mais que tente, ele não consegue sair.

Bob - o colega e amigo de Leonardo, é apaixonado por Roberta. Começa a repetir suas falas sem parar, e esse é um dos mistérios da peça.

Michel - o  personagem-coringa da peça. "Reencarna" na novela muitos capítulos depois de ter morrido. Trás uma sutil mensagem de evolução espiritual.

A seguir: o celular toca em Monte Verde

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Criação 6 - As peças se encaixam



Em algum momento fiquei imaginando o que os personagens de uma novela fariam durante um intervalo. Todo munto conhece o mecanismo. Um personagem faz alguma revelação chocante. "Eu sei quem matou seu pai!" Sobe música tensa. Os personagens se olham, calados. Entra o intervalo. Quando acaba o break, volta a cena, os personagens saem do estupor e falam sem parar. Até o próximo intervalo.

Eu decidi que durante o intervalo os personagens ficariam mudos, esperando pacientemente a hora de voltar a falar e agir. Suspenderiam a realidade por minutos. Descansariam da rotina infernal de personagens de um novelão tipo mexicano, onde tudo é conflito, inveja, vingança e frustração.  E fariam isso por não conhecer outra opção. 

Criei então o que se costuma chamar de "plot point" - um acontecimento marcante que muda o destino dos personagens. Fiz com que num dos intervalos surgisse a aparição do seu Michel, o falecido marido de Florinda e pai de Roberta e Mariana. Ele revelaria a todos as verdades desconhecidas sobre o universo das telenovelas. A partir daí haveria uma corrida para a libertação daquele suplício diário num recanto confortável na memória coletiva.

Eu já tinha os personagens. E um rumo a seguir. Comecei a escrever Intervalo no dia em que completei  51 anos. E me dei 30 dias para completar a peça.

A seguir: O Mal de Knoplish

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Criação 5 - 5 personagens em busca de uma história


Desde o começo decidi que Intervalo seria uma peça sobre personagens, e não sobre os bastidores de uma TV. Os personagens viveriam naquele universo fechado de um novelão mexicano, e não conheceriam nada da vida "lá fora".  (Mais tarde o diretor Ricardo Pinto e Silva me lembrou da coincidência temática entre Intervalo e peça clássica de Luigi Pirandello, Seis Personagens em Busca de um Autor. Fiquei lisonjeado pela lembrança. Mas não vou mentir: Seis Personagens - que eu nunca assisti - não passou pela minha cabeça durante a criação de Intervalo).

Tinha chegado a hora de povoar a peça. Eu precisava de personagens de uma novela ruim, completamente baseados em clichês. Pensei num trio básico: uma mãe viúva (Dona Florinda) com duas filhas, uma boa (Mariana) e uma má (Roberta). Depois veio o noivo-herói (Leonardo) da filha boa, cobiçado pela má. Eu já tinha um conflito básico tipico de novela. Resolvi que a peça precisava de um "alívio cômico", e inventei um amigo do noivo, o apalermado Bob.  Havia ainda o Doutor Teixeira, chefe de Leonardo, que sumiu logo nas primeiras versões.

Pronto. Eu já tinha um universo com uma mecânica própria (a telenovela) e cinco personagens esboçados. O próximo passo seria brincar mentalmente com esses seres imaginários. Procurar a liga para todos esses elementos. O mecanismo que levaria à criação de uma história propriamente dita. Os famosos começo, meio e fim.

A seguir: as peças se encaixam

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Criação 4 - Tempestade de Lágrimas


Em 1993 eu voltei a trabalhar como roteirista da Angélica, agora no SBT. O diretor era o mesmo Marcelo Zambelli. E o nome do novo programa infantil, Casa da Angélica. Em termos de liberdade de criação foi bem mais gratificante do que escrever o Clube da Criança na rede Manchete. 

No ano seguinte, ofereci para o Marcelo o projeto de uma micro novela parodiando os novelões mexicanos apresentados pela própria SBT. O Marcelo topou na hora e surgiu Tempestade de Lágrimas. Ganhei um ótimo elenco fixo e a possibilidade de usar os outros artistas da casa como convidados.

Cada capítulo durava ao redor de 5 minutos, e neles eu encaixava todos os clichês possíveis do gênero. A vilã Eleonora (Maria Clara Fernandez, perfeita no papel) era a megera de cabelos em coque e tapa-olho (que mudava de cor e de olho a cada capítulo): 


Angélica (uma ótima atriz cômica) fazia o papel da criadinha Estelita, sempre muito humilde, chorona e apaixonada pelo noivo da patroa Eleonora:


O noivo de Eleonora era o ingênuo Rodolfo Rodriguez, que a cada capítulo mudava de sobrenome hispânico (Hernandez, Sanchez, Escobar, etc). Grande criação de Otaviano Costa, que interpretou também o irmão gêmeo cafajeste Alcebíades:


Em Tempestade de Lágrimas eu pude explorar livremente esse território do novelão latino, que sempre me hipnotizou pelos exageros. Em vez de disfarçar esses clichês numa linguagem contemporânea, decidi explorar pela comédia esse exagero kitch do dramalhão mexicano. 

Exatamente o que eu faria onze anos depois em Intervalo.

Para assistir os 13 primeiros capítulos de Tempestade de Lágrimas, clique aqui.

domingo, 18 de novembro de 2012

Criação 3 - De soap opera a peça pop

Arte: Garguille

Intervalo começou com essa simples pergunta (inspirada por Jerry Seinfeld): o que acontece com os personagens de uma novela quando a gente não está olhando para eles? Afinal, costumamos saber mais da vida na novela das nove do que de nossos parentes.

Como eu poderia dar num texto de teatro esse sentido de ausência dos personagens? Para uma peça de teatro, teria que ser uma situação breve, urgente. 

Pensei num mecanismo comum às novelas e soap operas. Todas elas são interrompidas por intervalos comerciais. O personagem X diz ao personagem Y algo do tipo "Eu sempre evitei esse assunto, mas a verdade é que... eu sou seu verdadeiro pai!" E então Y olha espantado para X, que olha apreensivo para Y e por alguns segundos ninguém diz nada. Ouvimos uma música tensa enquanto os dois se olham. E entra o intervalo. Só depois dos comerciais os personagens X e Y podem voltar a discutir a questão da paternidade.




Evoluí para uma nova pergunta: o que acontece com os personagens de uma novela durante cada intervalo? Aquela passou a ser minha bússola na criação da peça. 

Eu já tinha intimidade com esse mecanismo. Fui co-autor de duas novelas. Mas meu modelo maior acabou sendo uma paródia de novela mexicana que escrevi para a SBT. Ali estava o espírito de Intervalo, uma peça que nasceu para ser pop.

A seguir: Tempestade de Lágrimas

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Criação 2 - Os dias de nossas vidas


A soap opera é uma novela sem fim. Ela começa, mas só acaba se perder o público e, consequentemente, os patrocinadores. Nos EUA, representam uma tradição de décadas. Têm até um "Oscar" próprio, o Daytime Emmy Award.

Durante um curto tempo, o canal Sony transmitiu no Brasil duas das principais soap operas americanas: The Young and the Restless e Days of Our Lives. "Young" era mais sofisticada na sua concepção. "Days", um novelão típico, com tramas absurdas, personagens improváveis e um clima de contos de fadas. Está no ar desde 8 de novembro de 1965. Um dos casais, Bo e Hope Brady, vai completar 30 anos de romance pela TV.

Fiquei viciado em Days of Our Lives. Era um espetáculo kitch como um novelão mexicano. Acompanhei a vida daquele monte de personagens da cidadezinha de Salem, todos os dias,  por meses. Me envolvi nos seus romances e nos seus conflitos. (E ainda me diverti com o tom canastrão dos atores, típico das "soap"). 

E, de repente... acabou. A Sony tirou do ar. Aquele monte de gente imaginária sumiu da minha vida de um dia para o outro. É como diz o slogan da novela: "como os grãos de areia de uma ampulheta, assim são os dias de nossas vidas". 

Assim, quando Jerry Seinfeld falou com tanto carinho de Days of Our Lives no seu monólogo  (leia o post), uma pergunta se formou na minha cabeça: o que aconteceu com Bo, Hope, e toda a população de Salem  a partir do momento em que deixei de assistir a novela? 

Foi essa a pergunta que começou a dar forma a Intervalo.

A seguir: Intervalo, da soap opera à peça pop


terça-feira, 13 de novembro de 2012

Criação 1 - A inspiração de Jerry Seinfeld


A primeira inspiração para a peça Intervalo veio num programa  Saturday Night Live. O convidado era Jerry Seinfeld, que tinha ficado riquíssimo com o imenso sucesso da sua série. Eu nem era tão fã assim de Seinfeld. Mas aquele seu monólogo de abertura no SNL foi brilhante.

Com muita ironia, Jerry disse que com o fim da sitcom ele tinha vendido sua casa em Los Angeles e voltado para New York. E descrevia sua "excitante" vida de superstar em Manhatan. Contou que acordava às 8 da manhã e ligava a TV. Assistia um monte de séries. E esperava ansiosamente até o começo da tarde quando começava Days of Your Lives, o novelão que está no ar há 47 anos. Descreveu então detalhes sobre a trama sempre meio absurda da soap opera, provando que a acompanhava de verdade.

Seinfeld disse então que chegava a hora do jantar quando finalmente tirava o pijama e ia para a rua. Sua vida glamourosa continuava na barraquinha onde ele comia uns seis ou sete churrasquinhos no espeto. E que voltava correndo para a cama e continuava assistindo TV até dormir. 

Foi um excelente monólogo, irônico, bem construído  Quando chegou minha vez de ir para a cama, não conseguia tirar Days of Our Lives da cabeça. A semente de Intervalo estava sutilmente plantada. 

A seguir: a construção (mental) de Intervalo.
Para ler o monólogo de Jerry Seinfeld na íntegra (em inglês) clique aqui.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Prefácio: o Intervalo antes do palco


Intervalo ganhou o prêmio mais importante da dramaturgia brasileira em 2004. Teve uma leitura pública de grande aceitação em 2007. Mas não foi montada até agora por diversas razões. Não quero deixar essa peça parada. Ela vai ter uma vida própria na aqui internet. Quando chegar aos palcos, já vai estar bem documentada. Este blog vai ser uma espécie de making of prévio e contínuo da peça.  

Neste blog, vamos:
  • contar a história de Intervalo desde a primeira inspiração
  • mostrar os caminhos que a peça percorreu no seu processo de criação
  • publicar o texto premiado pela Funarte (versão 2012) em capítulos
  • divulgar tudo o que a peça gerou e ainda vai gerar - trilha sonora, videos, imagens, documentos
  • informar as novidades sobre a produção de Intervalo no palco ou em outras mídias
Você que gosta de processos de criação e produção está convidado agora a nos acompanhar a partir de agora nessa estrada - que já tem 7 anos de idade. E que começou muito bem.

Obrigado pela companhia.


Dagomir Marquezi